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CALYPSO

FICHA TÉCNICA

Direção, Roteiro e Montagem: Rodrigo Lima e Lucas Parente

Direção de Produção: Fernanda Romero e Jura Capela

Produção Executiva: Rodrigo Lima e Lucas Parente

Fotografia: Pablo Hoffmann

Direção de Arte: Moa Batsow e Walter Reis

Figurino: Carla Ferraz e Verônica Carvalho

Trilha Sonora: Guilherme Vaz

Mixagem e Edição de Som: Damião Lopes

 Som Direto: Uerlem Queiroz e Pedro de Assumpção

Elenco: Julia Gorman e Walter Reis

Produtora: Filmes Soledade e Besta Fera Filmes

Co-produção: Jura Filmes e TB Produções


FESTIVAIS


51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Brasília, 2018)
10ª Semana de Cinema (Rio de Ja
neiro, 2018)
22ª Mostra de Cinema de Tiradentes (Tiradentes, São Paulo, 2019)
18º Mostra do Filme Livre (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, 2019)
Filmadrid - Festival Internacional de Cine (Madrid, 2019)
19º New Horizons International Film (Wroclaw, Polô
nia 2019). 

 

PEQUENA FORTUNA CRÍTICA

THIRD EYE: SPIRITUALITY, MAGIC AND WITCHES

por Ewa Szabłowska (Festival New Horizons)

Hallucinations, ritual magic, erotic dreams and archival snapshots from pioneering nudist colonies in Brazil blend together in a dreamlike adaptation of Odysseus’s romance with the nymph Calypso. The island of Ogygia described by Homer finds a tropical equivalent in the Ilha do Sol off the coast of Rio. In the 1950s and 1960s, Ilha do Sol, with its rock formations reminiscent of ancient ruins, was home to Luz Del Fuego — a dancer, stripper, snake charmer and nudist. Curious visitors arriving on the island to see her perform with live pythons had to undress. Thus was created the first clothing-free zone in Latin America. The combination of nudity, intoxication, trance-inducing dances and snakes is just one step away from Satan worship. Del Fuego was considered a witch and was brutally murdered in 1967. The film uses authentic recordings from Ilha do Sol from the 1950s, juxtaposed with shots inspired by Arnold Böcklin's The Isle of Death. The director, Rodrigo Lima, frequently collaborates with Julio Bressane, a master of Brazilian avant-garde. Filled with erotic tension and a stifling atmosphere, Calypso is both a dialogue with a master and a declaration of a departure from the realist idiom that dominates contemporary Brazilian cinema.

CALYPSO, DE RODRIGO LIMA E LUCAS PARENTE

por Fabrício Cordeiro

Possivelmente a grande obra-prima do cinema brasileiro dos últimos quatro ou cinco anos, Calypso é, como bem disse meu amigo Luciano Evangelista, o filme no qual a erudição se dá no plano.

 

Rodrigo Lima e Lucas Parente respeitam não só o que o cinema tem de enigmático, como também o que toda uma ideia de história humana e cultural tem de intrigante e misterioso tanto no tempo quanto nos espaços do mundo. Para tanto, cria aqui uma ponte entre o hoje e um passado grego não só eterno como também atualizado, no qual a baía de um Rio de Janeiro moderno ecoa uma espécie de paraíso grandioso e adoecido. Poucos filmes têm esse poder de síntese, de abarcar um mundo e um tempo, talvez a história de parte da humanidade em 60 minutos de respeito e temor pela natureza, pelos céus olímpicos cortados por pequenos aviões intrusos (nossos Ícaros turbinados), pela grande matéria formadora e consumidora do mundo.

 

Calypso se impõe feito uma obra mística de Wener Herzog, que sempre viu na indissociável relação entre o ser humano e a natureza a força de nossas próprias existências. Mas Herzog partia de sujeitos comuns, homens e mulheres que, norteados por alguma obsessão (como em Fitzcarraldo ou Homem-Urso) ou cercados por condições inflexíveis (como os nativos que decidem não sair da ilha em La Soufrière), se revelavam extraordinários em sua própria condição terrena. No caso de Calypso, a atmosfera de fascínio pela natureza titânica é a mesma, mas a dimensão é a dos deuses ou semideuses, dos poderosos mitos ainda tão presentes (por mais que há quem queira negá-los), de modo que em 60 minutos somos capazes de reconhecer a grandeza de termos chegado até aqui e, não menos importante, nos sentirmos reduzidos a nada.

 

Que incrível, e raro hoje em dia, um filme assim, que contempla a beleza e o mistério do descontrole da vida, movido pela digna ambição de encarar o mundo (e só a arte é capaz de realmente encarar o mundo), não pela pretensão de tentar solucioná-lo.




 

CALYPSO, ODE À PROJEÇÃO HUMANA

por Vitor Velloso em Vertentes do Cinema

Alguns filmes são particularmente difíceis de escrever sobre, seja por uma questão objetiva, por possuir questões formais complexas e dissecar elas é um exercício bastante difícil, ou mesmo por uma questão subjetiva, pessoal de fato, onde a obra tenha atingiu de certa maneira determinados pontos que escrever sobre a experiência é quase injusto.

“Calypso” dirigido por Rodrigo Lima e Lucas Parente, é as duas coisas. Não trata-se apenas de uma releitura simplória de parte da jornada de Odisseu, mas uma visão visceral dos eventos e das características psicológicas. Se inicia com uma proclamação literária à la cinema marginal, mas já com uma composição que raciona com precisão o lugar do ser humano em toda aquela misancene. Como Herzog, o homem x natureza, em uma luta incessante, onde só podemos ver os resultados dessa batalha de fundo, mas a sanidade é um fluxo de estado que não se mantém sem a devoção ao caos e aquilo que tange a realidade. Se a metafísica possui sem papel central nas discussões que o longa levanta, a estética, o estilo, desenha exatamente o universo que estamos observando, traçando com falhas onde devemos manter o pé no chão e onde deixamos nos levar. Toda essa experiência é ampliada pelo desenho sonoro completamente hipnotizante, que monta uma viagem tão concreta que funcionaria por si só, mas aliada da imagem torna-se devastadora.

A referência mais próxima ao Malick, é nítida de certa maneira, mas não para na superfície, todo o transe que vemos em “Calypso” possui características muito próprias, desta maneira, as múltiplas leituras possíveis, são bem-vindas.

 

“Abaixo a interpretação”. Não defendo explicações à obra, acredito que a única maneira de apreciar de fato, é deixar-se levar, permitir que o tempo molde o que ficou. A questão geográfica da narrativa não é ignorada, pelo contrário, certa brasilidade aflora do texto e das interpretações em diversos momentos, além do cenário no fundo denunciar a decadência do homem em meio à própria casa. E toda a sedução que há no texto original, se mantém. Mas com uma face mais complexa, já que para além das palavras, temos a câmera. E num jogo poético tão livre, e fadado à desgraça, quanto o pau-brasil que nos cercou um dia, a câmera acompanha todos os movimentos de seus personagens, compreendendo uma impossibilidade de reconciliação.

A beleza dessa visão sem volta das decisões que tanto o filme, quanto o protagonista tomam, é a veracidade de nossos atos, e como nossas escolhas possuem reações tão viscerais quanto a dúvida de as tê-la. Sem a necessidade de reassumir posições, os diretores estão completamente livres em manipular a realidade e o tempo do que vemos na projeção. Com uma postura de descentralizar o filme, tanto em narrativa, quanto em atenção ao trabalho dos dois, buscam permitir que o fluxo das imagens em movimento soe o mais orgânico possível. E se em algum momento interrompem com violência alguma dança imagética, é por compreender que o controle de todos os destinos são exteriores aos personagens, mas não a eles.

A ideia da primordialidade do Homem, se encontra naquilo que se diz palavra ou imagem. Existe uma rigidez que contém certa brutalidade no pensamento, mas liberta a ideia política pela maior parte do tempo. Um conceito central, que só existe ao Homem enquanto Homem e à arte enquanto arte. Esse tom substancial de pequenas atitudes e gestos, são reveladores quanto à natureza da coisa em si. O arquétipo da fotogenia sendo elevado ao tom da morte. E a projeção como elevação da alma e da expressão. Um ode a liberdade enquanto impulso criativo, esse processo de auto flagelação ao qual o autor se submete para expurgar seus próprios demônios. O destino do Homem não apenas em travar a eterna luta contra o próprio planeta, mas contra a ideia de cultura, de ilusão alienadora.

Rodrigo Lima e Lucas Parente compõe uma das obras mais intrigantes dos últimos anos. Uma experiência impecável com a tela grande.

DETERIORAÇÃO

por Pedro Tavares em Multiplot!

No campo de análise de uma situação política (não em total pureza), é necessária alguma distância. Em Calypso, filme de Rodrigo Lima e Lucas Parente, essa distancia é física. O Rio de Janeiro, à distância, em decomposição, é campo para diversas reflexões sobre a história recente do estado e a perda de identidade. Nos limites justos do filme – não só por seus 60 minutos, mas no espaço que filma e nas poucas evidencias de abordagem, há um campo vasto de alusões políticas e existenciais.

Curiosamente, há diálogo indireto com filmes recentes de dois integrantes da equipe do filme: A Origem do Mundo de Moa Batsow e Garoto de Júlio Bressane. Os três filmes unem performances e matéria como campo ideal para discorrer sobre um mundo em crise, cada um a seu modo, evidentemente. No caso de Calypso, a língua que não é mais a nossa, os elementos como terra, fogo e ar, as idas e vindas dos aviões que se aproximam da Baía de Guanabara e principalmente as imagens de arquivo cimentam um estado de perplexidade, sobre não mais reconhecer o lugar em que se vive.

Em primeira visita, Calypso parece uma amplificação do sentido de O Espelho, primeiro longa de Rodrigo Lima: um lugar, diversos sentidos. Aqui o caos não é crescente e já instaurado no lugar filmado. Seu tratamento literário dá mais espaço à vitalidade misteriosa freudiana da imagem viva através da montagem e da manifestação. São traços alusivos aos fantasmas que nunca seguirão raciocínios lineares como um reflexo direto ao caos da metrópole do outro lado da baía. Um raciocínio que distribui força às alegorias de modo justo – dos corpos à natureza, todos terão o mesmo valor e impacto.

De aura urgente, Calypso pode ter a estirpe de um filme instigante, mas seus métodos são naturais ao gênero vigente. Cabe mais o diálogo de uma realidade sufocante que uma provocação estética, já que nunca será possível questionar o que as imagens realmente querem, pois a imagem seguinte dará as respostas de maneira palatável. É uma forma de articulação considerável, consciente, que dispensa o fetichismo da beleza da imagem – o último plano do filme deixa claro como a contemplação nesse sentido estará em segundo lugar – para entronizar a mensagem e não o meio.

A possibilidade de reverberação do momento em que vivemos no filme serve como um legado tão pertinente quanto qualquer aventura estritamente narrativa e/ou estética. Juntá-las em sua não integralidade e coloca-las em equilíbrio – mesmo que seja como via de acesso para um raciocínio simples: o exílio é a solução. Ache o seu exílio.

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